Mães de pet dão exemplo de amor, cuidado e proteção aos animais
Tutoras de Hortolândia contam sobre a experiência de exercer a maternidade por meio da dedicação plena aos seus bichinhos de estimação, que são considerados filhos, um vínculo afetivo que está acima de qualquer diferença de espécie
Beth Soares | Tribuna
Liberal
Elas cuidam de seus animais de estimação com a mesma dedicação, carinho e amor incondicional que dariam a um filho humano. São as mães de pet, apelido carinhoso de tutoras que demonstram vínculo emocional profundo com os bichos, uma relação que está acima das diferenças de espécie.
Neste Dia das Mães, o Tribuna Liberal traz histórias
de mulheres que exercem a maternidade por meio do cuidado exemplar dos filhos
de quatro patas. Essa relação afetiva entre humanos e animais se fortalece e
impulsiona a profissionalização do setor pet, um dos que mais crescem na região
e no País (veja reportagem nesta página).
A publicitária Patrícia
Banhara, 47 anos, é tutora de quatro gatos: Teteco, 13 anos, os irmãos Remela e
Branquinha, 11 anos, e Raposinha, o caçula, de nove anos. O amor pelos bichanos
se manifestou na infância, quando teve o seu primeiro gato, aos quatro anos de
idade.
Cuidar dos felinos é
prioridade para Patrícia no seu dia a dia. Antes de ir para o trabalho, ela
serve ração ao quarteto e higieniza as vasilhas de água, que recebem o novo
líquido, fresquinho. Também limpa as caixas de areia higiênica, onde os gatos
depositam seus dejetos, que são removidos diariamente pela tutora. À noite, os
mesmos cuidados se repetem.
Nos meses de alta
temperatura, Patrícia conta que faz questão de ir para casa na hora do almoço
para ligar o ar-condicionado e livrar os felinos do excesso de calor.
Mãe de pet atenta, a
publicitária consegue identificar quando seus gatos apresentam algum comportamento
diferente. “Assim como as mães comuns normalmente tem preocupação com seus
filhos, eu me preocupo e observo os meus gatos... Sei o temperamento de cada um
deles e percebo quando algum não está bem. Se está muito quieto, já me liga o
alerta de que alguma coisa tem ali naquele gatinho. Observo, pego, olho o
corpinho pra ver se tem algum machucado, se pode ser uma infecção no ouvido, já
pingo um remédio. E, se houver uma evolução negativa do quadro, levo para uma
clínica veterinária”, conta.
Aos finais de semana,
Patrícia costuma dedicar parte do tempo aos cuidados com a higiene dos felinos.
Corta as unhas, leva a turma para tomar banho, a cada um mês e meio, escova os
pelos, limpa os ouvidos. “Também aproveito para conversar mais com eles. Gato adora
atenção e carinho”, assinala.
Assim como as mães de
humanos, a tutora conhece bem o paladar dos seus filhos de quatro patas. Por
isso, só entra na despensa o tipo de ração preferida dos bichanos. “Eu sei que
eles rejeitam ração de frango, que gostam mais ou menos da de carne, e que amam
ração de salmão. Então, a ração seca é sempre sabor salmão, assim como a úmida.
Vez ou outra, para variar um pouco, eu compro a de carne. Uma boa mãe, conhece
o paladar dos seus filhos”.
O bem-estar e conforto dos
felinos também são garantidos pela publicitária. Ela tem um estoque de mantas
para aquecê-los em tempo mais frio, além de caminhas variadas para que os
gatinhos possam escolher onde se deitar. Na hora de dormir, a cama de Patrícia
é o refúgio do quarteto. “Dormimos todos juntos”, derrete-se a mãe de pet.
A casa de Patrícia foi
planejada com espaços especiais para acolher os gatos. “Tenho um corredor
exclusivo para eles, onde ficam as águas, a comida e uma das caixinhas de
areia. Na área de churrasqueira tem um espaço onde ficam as caminhas... Grande
parte do meu armário da lavanderia é utilizado para armazenar coisas dos meus
gatos. É onde ficam as caixinhas para transporte, os remédios, as mantas...
Numa das partes também ficam os potes com comida, como se fosse uma minicozinha
deles”, descreve.
Deixar os gatos sozinhos,
sem apoio humano, jamais. Toda vez que viaja, Patrícia contrata um pet sitter
para cuidar do quarteto. “Aí vou acompanhando como eles se comportam na minha
ausência, por meio das imagens que peço para as cuidadoras me enviarem”.
Mercado e profissionais se
adequam para atender novo perfil de tutores
O vínculo afetivo entre
humanos e animais, além de alterar a configuração das famílias modernas, também
impulsiona a profissionalização do setor pet — um dos que mais crescem no País.
De acordo com dados da
Abinpet (Associação Brasileira da Indústria de Produtos para Animais de
Estimação), o mercado pet brasileiro segue em plena ascensão, consolidando-se
como um dos mais promissores do mundo. Em 2025, o setor deve movimentar cerca
de R$ 86 bilhões, segundo projeções da Abinpet — um crescimento de
aproximadamente 11,7% em relação ao ano anterior.
O aumento reflete o vínculo
cada vez mais forte entre tutores e seus animais de estimação, que hoje são
vistos como membros da família e recebem atenção, cuidado e investimentos
compatíveis com esse novo papel afetivo.
Segundo a
médica-veterinária Fernanda Martins, coordenadora pedagógica da Faculdade de
Medicina Veterinária Qualittas, com unidade em Campinas, o comportamento dos
tutores mudou — e os profissionais precisam acompanhar esse novo perfil.
Fernanda Martins: coordenadora pedagógicada Faculdade de Me dicina Veterinária Qualittas
“Hoje, o tutor quer
entender tudo: do tipo de ração ideal ao enriquecimento ambiental, passando por
vacinas, exames preventivos e até comportamento emocional do animal. Ser mãe ou
pai de pet exige preparo, e nós, profissionais da saúde animal, também
precisamos estar atualizados para orientar e acolher esse público da forma
correta”, explica.
Na era da maternidade pet,
os animais de estimação viram membros da família. Muitos lares já não
diferenciam filhos humanos de filhos de quatro patas. Os pets participam de
festas, passeios, viagens e até recebem herança.
As clínicas veterinárias se
preocupam em oferecer atendimento humanizado e os profissionais são treinados
para lidar com a parte emocional dos tutores e oferecer explicações detalhadas
sobre diagnósticos e tratamentos.
Crescem os serviços pet
personalizados. Desde spas e creches pets até planos de saúde animal,
fisioterapia, acupuntura e psicologia comportamental. Também aumenta a busca
por cursos, workshops e mentorias para quem quer entender melhor como cuidar do
pet — inclusive dentro de cursos de graduação e pós-graduação.
Ambientes pet friendly,
móveis pensados para convivência entre humanos e animais, além de um boom de
produtos premium, orgânicos ou sustentáveis, também estão em alta para atender
mães e pais de pet.
De acordo com Fernanda, a
Faculdade Qualittas, referência em ensino veterinário, também tem adaptado seus
currículos para esse novo cenário. “Além da formação técnica, nossos alunos são
preparados para lidar com esse novo perfil de tutor — mais exigente, mais
afetivo e com forte vínculo emocional com o pet. Entender essa dinâmica é
essencial para uma prática ética e empática”, completa a médica-veterinária.
'Gatos são meus filhos,
extensão de mim, da minha vida’, diz mãe
Para Patrícia, ser mãe de
pet significa amor incondicional para cuidar de uma família formada por
felinos. Ao mesmo tempo, conta que enfrenta preconceito pelo vínculo maternal
com os bichanos.
“Estou com 47 anos e não
tenho filhos biológicos. Até pouco tempo, ouvia das pessoas: para de cuidar de
gato e vai ter um filho. Outras me aconselhavam a adotar uma criança. Também já
recebi críticas pelo dinheiro investido na saúde do animal que estava doente e
precisava de cuidados especiais”, exemplifica a publicitária. “Não é a
totalidade, mas existe um julgamento em cima das pessoas que cuidam tão bem de
animais de estimação”, completa.
Para aqueles que não
entendem o forte vínculo materno que pode existir entre um ser humano e os
animais, Patrícia responde com a voz que vem do coração.
“Os gatos são minha
família. Não tenho parentes em Hortolândia. São eles que me esperam quando eu
chego, que estão ao meu lado quando estou triste... São eles que, ao adormecer,
estão ali perto de mim. Então, eles são meu acalento, minha calmaria, minha
tranquilidade. É um amor incondicional...Os gatos são uma extensão de mim,
representam um amor incondicional... Deixo de fazer as coisas por causa deles
se não tiver rede de apoio. Estão nos meus planos pra tudo...”
“Vamos supor que eu receba
uma proposta de emprego fora do País para ganhar muito bem. Se não tiver
condição de levá-los, não vou. Eu só aceitaria uma proposta, mesmo que fosse
mudar minha vida, se os meus gatos fossem comigo. Eu não teria coragem de
deixá-los porque eles são meus filhos, extensão de mim, da minha vida”.
Recentemente, Patrícia
perdeu um dos seus filhos de quatro patas, o Leitão. Para se despedir do
animal, resolveu fazer velório, com caixão e tudo, além de cremar o felino.
“Todos os gatos que eu perdi, antes do Leitão, foram enterrados no jardim da
casa onde eu morava. Ao mudar do local, perdia a referência... Me doía deixar
para trás esses bichinhos enterrados.... Dá uma sensação de abandono, quando
isso acontece. Sofri muito. Então, quando perdi o Leitão, não quis enterrá-lo
em nenhum lugar. Optei por cremá-lo. As cinzas dele estão numa caixinha...
Provavelmente vou jogar no mar. Agora, toda vez que perder um gato, vou cremar
e jogar a cinza em algum lugar para eu não ter a sensação de que o deixei pra
trás”, afirma a mãe de pet.
Cão, gato, tartaruga e um
amor incondicional fazem parte do dia
A técnica em enfermagem
Iraneide Rodrigues dos Santos, 56 anos, se considera mãe de três filhos não
humanos: o cachorro Elvis, 9 anos de idade, a gata Maria, 15 anos, e a
tartaruga Marina, a mais nova dos pets, com quatro anos. Moradora de
Hortolândia, a tutora concilia sua rotina de trabalho e outros afazeres com os
cuidados que a maternidade de pets exige.
De manhã, o compromisso é
com Elvis, com quem Iraneide sai para passear. Na hora do almoço, a refeição do
cão da raça Shih tzu tem preparo especial. A tutora mistura com a ração, uma
porção de arroz, proteína, verduras e legumes.
Elvis tem carteira de
vacinação em dia e passa por consultas com médico veterinário quando
necessário. “Percebo quando ele está resfriado, com febre e já dou medicação em
casa. No ano passado, ele teve uma úlcera no olho direito e, nesse caso, tive
que levar ao veterinário”, conta a técnica em enfermagem.
AMOR DE MÃE: Iraneide e o
cachorro Elvis, um dos seus três filhos pet
Para se divertir, Elvis tem um tambor cheio de brinquedos em casa. O cão gosta de objetos que fazem barulho e, segundo Iraneide, costuma ganhar presentes de aniversário. Caprichosa, a mãe de pet gosta de ver o filho de quatro patas sair estiloso para passear. Elvis tem tênis, óculos de sol e até um sapato de chuva. Na hora de dormir, uma caminha fica à disposição dele na garagem da casa. “Vez ou outra, ele faz manha e acaba dormindo dentro de casa”, observa.
A gata Maria é a filha mais
velha de Iraneide, uma mistura das raças persa e siamês. A felina é alimentada
com ração e, de vez em quando, convence Iraneide a deixá-la furar a alimentação
saudável e se deliciar com pedaços de pão, bolacha e bolo. Dorme na cama com
Elvis, numa relação em que cão e gato se entendem, apesar das características e
temperamentos diferentes de cada espécie, comportamento amistoso que revela a
boa educação dada pela mãe humana.
A tartaruga Marina chegou
ao lar de Iraneide quatro anos atrás, ainda filhote, um presente que ela
recebeu do namorado. Vive solta no quintal. É alimentada com ração própria para
tartaruga e suas frutas preferidas: banana, mamão, manga e abacate. Tudo
preparado, carinhosamente, por Iraneide.
“Não tenho filhos
biológicos. E ser mãe de pet é um amor incondicional. Não é só criar o animal.
É cuidar, desde a alimentação, passando por cuidados médicos, oferecer conforto
e atenção. A gente aprende a entender os animais. Temos que educá-los e,
também, chamar a atenção em momentos de teimosia”, comenta a técnica em
enfermagem.
A recompensa, observa
Iraneide, vem do carinho demonstrado pelos animais por meio da linguagem
não-verbal. “Quando perdi minha mãe, durante a pandemia, em 2020, fiquei
isolada em casa porque estava muito triste. Toda vez que me deitava na cama, o
Elvis ficava ao meu lado. Ele sabia que eu estava triste, sofrendo e queria me
confortar com a sua companhia”, recorda emocionada.
“Mãe de pet também é mãe?”
De acordo com um estudo
publicado pela revista Science e produzido na Universidade Azabu, no Japão, a
troca de carinho e o contato visual entre o tutor e o seu cão é capaz de
liberar a ocitocina, conhecido como “hormônio do amor”. Essa mesma substância
está presente quando uma mãe troca olhares com seu bebê.
A ocitocina é importante
para os humanos na criação de laços e vínculos, sendo positiva não só na
questão de sociabilidade, mas também na diminuição do estresse e na melhora do
sono, por exemplo.
Ou seja, o vínculo que uma
mãe tem com seu bebê é muito semelhante com aquele que nasce entre uma pessoa e
seu bichinho, o que ajuda a entender por que tantas mulheres se consideram mães
de pet.
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