Coluna Justiça em Foco – Por Welson Soares*
Sessenta socos e um grito por Justiça: tentativa de
feminicídio em Natal/RN escancara a urgência da prevenção e punição
Mais de 60 socos. Sessenta. Esse foi o número estimado de
golpes que uma mulher recebeu do próprio namorado dentro de um elevador em
Natal, no Rio Grande do Norte. A agressão brutal foi registrada por câmeras de
segurança e expôs, mais uma vez, a face cruel da violência doméstica no Brasil.
A vítima, que prefere não ter o nome divulgado em algumas
entrevistas, relatou que já sofria com violências anteriores, empurrões,
humilhações públicas, controle psicológico e ameaças. O que aconteceu no último
sábado (26) foi a culminância de um ciclo de abuso, que terminou em uma
tentativa de feminicídio.
O agressor, Igor Eduardo Pereira Cabral, ex-jogador de basquete e estudante universitário, foi preso em flagrante. Em sua defesa, alegou um “surto claustrofóbico”. A tentativa de justificar o injustificável não encontra respaldo jurídico. Surto não é sinônimo de licença para matar.
O que é tentativa de feminicídio?
O feminicídio está previsto no artigo 121, § 2º, inciso VI
do Código Penal, como forma qualificada do crime de homicídio, quando o
assassinato ocorre “por razões da condição de sexo feminino”.
Se a vítima sobrevive, como neste caso, temos a tentativa de feminicídio, nos moldes do artigo 14, II, do Código Penal. Ou seja, o agressor praticou todos os atos para matar, mas por circunstâncias alheias à sua vontade (a intervenção de terceiros, por exemplo), o resultado morte não se consumou.
Pena prevista
A tentativa de feminicídio pode levar à reclusão de 12 a 30
anos, podendo o juiz aplicar a redução pela tentativa (1/3 a 2/3), mas também
aumentar a pena se houver agravantes como:
• Crime praticado na presença de descendente ou ascendente
da vítima (filhos, pais);
• Durante gravidez;
• Contra menor de 14 anos, maior de 60 ou pessoa com
deficiência;
• Com uso de meio cruel ou que dificultou defesa da vítima (como nesse caso).
Agressão física e lesão corporal grave
A mulher foi agredida com tamanha brutalidade que ficou com
o rosto irreconhecível. Isso pode configurar também o crime de lesão corporal
grave ou gravíssima, previsto no art. 129 do Código Penal, com pena de 2 a 8
anos
Se houver risco de morte, perda ou inutilização de membro, deformidade permanente ou aborto, a pena aumenta.
Violência psicológica é crime
A vítima relatou que o agressor a manipulava emocionalmente,
a humilhava e incentivava até o suicídio. Esse tipo de conduta, muitas vezes
invisível, agora também é crime autônomo, com a entrada da Lei 14.188/21, que
tipificou a violência psicológica contra a mulher no art. 147-B do Código
Penal.
Pena prevista: reclusão de 6 meses a 2 anos, além de multa.
Medidas protetivas: por que elas importam?
O caso mostra claramente como ciclos de violência se agravam
com o tempo. A vítima já havia sofrido antes. Em muitos casos, uma medida
protetiva da Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06) pode interromper esse ciclo,
impedindo o agressor de se aproximar, contatar ou até permanecer no mesmo lar.
A mulher não precisa esperar a agressão física para denunciar. Basta a violência psicológica, ameaça ou qualquer situação que a coloque em risco.
O que fazer em caso de violência?
Muitas vítimas não denunciam por medo, dependência
emocional, econômica ou vergonha. Por isso, é fundamental divulgar os canais
seguros de denúncia:
• Disque 180 – Central de Atendimento à Mulher, atende 24h
por dia, inclusive finais de semana e feriados. A ligação é gratuita.
• Delegacia de Defesa da Mulher (DDM) Em alguns estados, já
é possível registrar boletim online, mesmo em casos de violência psicológica.
• Aplicativos de segurança “Proteja-se” (SP) “SOS Mulher”
(RJ e outros estados) Permitem acionar a polícia em tempo real.
• Ministério Público e Defensoria Pública, podem auxiliar na obtenção de medidas protetivas, mesmo sem advogado particular.
E se o agressor alegar “surto” ou “problemas
psicológicos”?
Essa é uma das defesas mais comuns em casos de violência
doméstica grave. Alegar “surto”, “transtorno de raiva” ou “claustrofobia” não
isenta automaticamente da responsabilidade penal.
O réu só será considerado inimputável (ou seja, isento de
pena) se ficar comprovado, por laudo psiquiátrico oficial, que não tinha
capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de se comportar conforme
esse entendimento (art. 26, CP).
No caso de Igor Cabral, a alegação de “surto claustrofóbico” não se sustenta frente às imagens claras de um ataque deliberado, com socos repetidos, e uma agressão que só parou porque terceiros intervieram. Isso não é surto. É crime.
Não é um caso isolado: é um retrato nacional
O Brasil é um dos países que mais mata mulheres no mundo.
Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, uma mulher é vítima de
feminicídio a cada 6 horas.
Esses números não são estatísticas frias. São gritos sufocados, como o da vítima desse caso, que teve a coragem de dizer publicamente: “Espero que ele pague por tudo o que fez e que nenhuma outra mulher passe pelo que eu passei.”
Conclusão
O que vimos neste caso foi uma tentativa de assassinato em
plena luz do dia, num espaço público, filmado, com testemunhas. Se mesmo assim
ainda houver quem relativize, imagine o que acontece nos lares onde não há
câmeras, nem socorro, nem voz.
O Judiciário deve continuar atuando com firmeza. A
sociedade, com consciência. E nós, operadores do Direito, com responsabilidade.
O agressor deve ser punido conforme a lei. E a vítima, protegida, amparada e
ouvida.
Porque sessenta socos não são um descontrole. São a
materialização do machismo que mata. E a Justiça precisa ser mais forte do que
isso.
Fique atualizado sobre as principais notícias relacionadas
ao mundo jurídico, acompanhando nossa coluna “Justiça em Foco”. Até a próxima!
*Welson Soares é graduado em Direito pela Faculdade Anhanguera, atua como advogado Criminal no renomado Escritório Andressa Martins Advocacia, localizado na cidade de Sumaré, há mais de 17 anos. Pós-graduando em Direito Penal e Processo Penal.
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